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Por João Paulo de Mello Filippin,

Presidente da Comissão de Direito e Tecnologia
no Instituto dos Advogados De Santa Catarina.

No mês de março de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu o mérito do Recurso Especial nº 1.737.428/RS na ação coletiva proposta pela Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul (ADECONRS) contra a empresa Ingresso Rápido Promoção de eventos.

Resumidamente, o caso versa sobre a legalidade da denominada “taxa de conveniência” cobrada na venda de ingressos por meio de sites na internet. O STJ entendeu que esta taxa se trata de um custo ilegalmente repassado para o consumidor, pois segundo a relatora do caso, a Ministra Nancy Andrighi, “a venda do ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica e essencial do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa o lucro e integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço”.

E ainda, segundo consta no julgado, ao exigir aquela taxa nas vendas pela internet a empresa produtora do espetáculo e a intermediadora da venda de ingressos estariam por atentar a liberdade contratual do consumidor, caracterizando, inclusive, uma venda casada, prática esta vedada por lei (art. 39, inciso IX, do Código de Defesa do Consumidor).

Bem analisados os fundamentos do acórdão, percebe-se que a tese adotada pelo STJ pode ter algum impacto em outros modelos de negócios, em especial os de e-commerce.

Uma premissa utilizada pela Ministra relatora foi a de que os custos com a venda dos ingressos fazem parte da cadeia econômica do evento, assim como o cachê do artista, locação do local do evento, custos de equipamentos, divulgação etc. Ou seja, o fornecedor não poderia fracionar as atividades ou as etapas necessárias à composição integral da mercadoria ou do serviço, e vendê-lo separadamente com custo adicional como se fosse uma opção ao consumidor quando não o é.

Imagine, por exemplo, a compra de um software condicionado à compra de serviço específico, único e necessário para a sua instalação e o seu regular funcionamento, todos controlados ou indicados pelo vendedor do software. Ou ainda, uma empresa que fabrica e comercializa determinados móveis sob medida e que, para concluir a operação de venda, condiciona a contratação pelo consumidor de um montador indicado pelo fabricante.

Esses exemplos, tais como o caso da taxa de conveniência, são considerados venda casada, prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, pautada principalmente pelo cerceamento da liberdade contratual do consumidor.

Uma outra premissa lançada naquele julgamento, e de maior interesse para as empresas que atuam no comércio eletrônico, diz respeito aos canais de venda utilizados pelo fornecedor. Diz a Ministra relatora: “Se os incumbentes optam PR submeter os ingressos à venda terceirizada em meio virtual (da internet), devem oferecer ao consumidor diversas opções de compra em diversos sítios eletrônicos, caso contrário, a liberdade dos consumidores de escolha da intermediadora da compra é cerceada, limitada unicamente aos serviços oferecidos pela recorrida, de modo a ficar configurada a venda casada, nos termos do art. 39, I e IX, do CDC.”.

Segundo o STJ, nas vendas on line a liberdade do consumidor somente seria alcançada caso a opção de compra de determinado produto estiver em vários sites. A opção de compra por meio presencial, em determinado local (sede da empresa, bilheteria do evento etc) não significaria uma opção em face da venda on line, posto que os benefícios da venda pela internet (sem necessidade deslocamento, venda 24h etc) são muito superiores.

Numa operação de Multichannel (vendas on line e vendas físicas) em tese não há uma liberdade contratual plena do consumidor se, no ambiente virtual, as operações de venda estiverem restritas a uma só loja virtual. E isso poderá ter implicância, por evidente, numa reclamação em juízo ou na cobrança de algum custo adicional na venda.

É fato que o que foi decidido no Recurso Especial nº 1.737.428/RS aplica-se somente as partes envolvidas naquele processo e especificamente ao caso da taxa de conveniência. Mas é inegável que as premissas que fundamentaram as teses vencedoras mostram a compreensão com que alguns ministros enxergam a operação de venda on line, e que, em maior ou menor escala, pode implicar numa eventual readequação na operação de algumas empresas que atuam no comércio eletrônico.

 

João Paulo de Mello Filippin 
OAB/SC 18.112
Baião & Filippin Advogados e Associados